Nenhuma jornada é rica seguindo só

Lorena de Souza
6 min readFeb 13, 2019

— Hoje, no dia 2 de Fevereiro, estou aqui me preparando para fazer um Storytelling para apresentar no Campus Party SP sobre as ações que a ThoughtWorks tem feito para atrair diversidade de raça para seu quadro interno. Para isso busquei minhas memórias e me peguei fazendo reflexões importantes a ser compartilhada aqui também. A minha jornada e o bem estar de colegas com histórias semelhantes influenciaram a Visão Estratégia da ThoughtWorks no ano de 2018.

Era Julho de 2016, quando cheguei na ThoughtWorks uma empresa mundialmente conhecida pela sua liderança em excelência técnica e em temas de Agilidade. Não se limitando a isso, também conhecida como uma empresa com olhar especial para as pessoas e no que elas tem de melhor.

Lembro quando ainda estava no processo seletivo ter visto o vídeo abaixo e o mesmo ter me inspirado muito a ter força para seguir no processo.

Esse vídeo traduz os vários aspectos que move nossa cultura, mas um em especial conecta com esse post: "We love different people and the diversity. We care about it at ThoughWorks. Everyone is empowered to have a voice and to use that voice to positively change society."

No meu primeiro mês no escritório de Belo Horizonte uma surpresa difícil — a tal diversidade que o vídeo tanto me despertou estava muito longe de ser realidade. No escritório haviam aproximadamente 50 pessoas e uma esmagadora presença de pessoas brancas. Mulheres? Muito poucas como em toda área de TI. Negros? Uns 6 negros. Gays? Uns 3 homens. Em resumo, a gente não era diverso em 2015–2016 em Belo Horizonte. Entrei sendo a primeira mulher desenvolvedora negra e com várias expectativas de ajudar a melhorar esse cenário.

Sempre pensei que pessoas em diferentes posições e com diferentes contextos de vida tem dilemas diferentes. Lembro que tínhamos uma QA negra e um Dev negro e eu — a deva negra (deva leia-se desenvolvedora) . Por que eu trago esses números? Aqui na TW a gente organiza as entregas para os clientes em projetos, e eu estava longe de saber qual era o dilema, a dor, as dificuldades de um homem negro em outro projeto e nem tão pouco apoia-lo. No primeiro projeto fui a única mulher técnica do time, quando ia para conversas mais técnicas, ou disputava espaço para ser ouvida com 6 homens e era chamada de agressiva/grossa ou então me calava de vez. Pode imaginar que o primeiro momento foi bastante desgastante.

Tempos depois, as situações difíceis me impulsionaram a dar contribuições a nível de escritório do quão pesado estava sendo minha jornada sem a equidade de raça dentro do escritório. Eu aproveitava os quatro cantos para oferecer um depoimento — fosse para a liderança ou para os colegas. Fiz vários sourcing junto de Recrutamento para encontrar pessoas negras desenvolvedoras. Tivemos a sorte que várias vozes ressoaram concomitante por todos os escritórios naquela época.

Uma pessoa negra sozinha que deseja melhorar o espaço tem missões demasiadamente extensas e sacrificantes — trazer a luz para pessoas não negras que por vezes não credibilizam as opiniões de negros e negras, ou que as vem como um problema simplesmente por existirem, ou que as vem como servos e servas de qualquer atividade menos intelectual, ou elevam a voz constante para derecionar uma atividade, ou ainda que trazem um vocabulário racista para a conversa do dia a dia. São tantos aspectos que chega a ser exaustivo.

Era 2017, a Thoughtworks Brasil já tinha avançado muito em equidade de gênero, mas muito pouco em raça e as conversas já estavam um pouco mais aquecidas sobre isso. Estávamos felizes por um lado e insatisfeitos por outro. Recordo que um pequeno grupo interno muito importante chamado Quilombolas começou a fazer barulho por todos os escritórios do Brasil para questionar as estruturas e os desafios que pessoas negras estavam vivendo. Sentíamos que havia uma vontade das lideranças em mudar esse cenário, mas ainda com pouca ação (ninguém entende verdadeiramente sua dor até que vc comece a explicar).

BH estava aquecida! Lá em setembro de 2017, aconteceu um evento para interagir com o público externo, chamado Meet up Preto com objetivo de reunir pessoas negras para discutir carreiras, mercado de trabalho, desafios e muito mais. O Quilombolas retomou suas atividades com mais força nesse mês. Nesse momento a gente estava também construindo uma parceria com o Coletivo Enegrecer que nos enriqueceu bastante sobre as sutilezas do racismo.

Certamente todos os barulhos feitos dentro e fora do grupo Quilombolas ao redor de todos os escritórios trouxeram uma sensibilização enorme para as lideranças de 2018. E finalmente uma surpresa muito alegre para todas as colaboradoras negras da TW — lá estava na visão estratégia a prioridade em ter mais pessoas negras pelos escritórios.

A partir dessa prioridade pessoas negras e pessoas aliadas da TW, junto com as lideranças nacionais, criaram um dos movimentos mais lindos da história da empresa o "Enegrecer a tecnologia". Destacado e reconhecido por toda empresa globalmente.

A partir dessa prioridade da visão estratégica várias pequenas e grandes ações passaram a acontecer pelos escritórios afim de quebrar estigmas e imagens negativas que pessoas negras carregam.

Em 2018 no escritório de Belo Horizonte, o recrutamento foi bastante intencional em buscar por mais pessoas negras, passamos de 7 pessoas em 2016 para 33 pessoas negras em 2018. Além de recrutamento, houve outros grandes movimentos como pessoas negras passando a lideranças oficiais do escritório e pessoas negras fazendo parte de programas de liderança em desenvolvimento. Nessa mesmo ano como mulher negra tive a oportunidade de participar de um evento global da Thoughtworks em Pequim.

Pequenas ações também ocorreram como cartazes de pessoas negras que inspiram e representam como Djamila Ribeiro, Abadias Nascimento, Conceição Evaristo e outras. E também fotos das próprias colaboradoras espalhado em cartazes:

Em Março de 2018, ocorreu um hackaton com o objetivo de impulsionar um portal para fazer denúncia de racismo e injúria racial:

Em nível nacional, pessoas negras e brancas fizeram grandes movimentos juntas, como o recrutamento Expresso em Salvador, 100% focado em contratar pessoas negras. Todas as pessoas contratadas foram espalhadas pelos 4 escritórios no Brasil. Esse foi um dos eventos mais transformadores e marcantes da minha jornada na TW. Tivemos a sorte de conectar com histórias muito inspiradoras e sentir o poder imenso que muitas pessoas negras juntas tem.

Passa ser quase impossível contar as várias ações que ocorreram nesse último ano que fortaleceram negras e negros na TW Brasil. Mas não fica dúvida de que nós somos uma empresa que parte para ação e que busca melhorar espaços coletivos e respeitar as necessidades individuais. E não fica dúvida também que melhorar esses espaços para todas as pessoas é uma jornada inacabada. Estamos trazendo essas pessoas, e agora vem o próximo passo — reconhece-las, dar a estrutura que elas possam se sentir bem e crescer juntas.

Nós nos importamos em trazer novas referências e novos pontos de vistas, por que continuamos conectadas com um nosso propósito — transformar a sociedade por meio da tecnologia. E por que continuamos conectadas com nossa crença de que a diversidade retroalimenta nosso negócio para se manter inovador. Tudo isso junto faz uma conexão promissora de que pessoas felizes performam melhor, se sentem mais seguras, inspiram novas pessoas, são mais criativas e elevam os resultados do negócio.

Por fim, esse nosso DNA plural movimenta tantas estruturas na sociedade, que somos incapazes de mensurar os impactos. Perdemos de vista o enorme poder das nossas ações e o quanto ela inspira pessoas, empresas e toda sociedade.

Nenhuma jornada é rica seguindo só!

Ps.: essa é a minha perspectiva da história. Se tiver outro ponto de vista estou super aberta em te ouvir. ❤

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